MEIO AMBIENTE – Tratado da Educação Ambiental
Quando cerca de 600
educadores de todo o mundo se reuniram na Jornada de Educação Ambiental para
debater e elaborar o primeiro Tratado de Educação Ambiental de que se tem
notícia, o desafio parecia impossível de ser vencido. Movimentos sociais e ONGs
procuraram, ao longo de cinco dias de intensos debates sob as tendas do Fórum
Global, resgatar o papel da educação e do educador comprometido com as questões
ambientais. O resultado deste intenso trabalho foi transformado em 4 páginas,
redigidas em quatro idiomas, adotadas no dia 7 de junho de 1992 pelo Fórum
Internacional de Organizações não Governamentais como um dos principais
documentos referentes a este assunto existentes na atualidade.
UM POUCO
DE HISTÓRIA
Não foi tarefa fácil trazer
o tema da Educação Ambiental para o cenário das discussões da ECO 92.
Organizações não governamentais de todas as partes do mundo trabalharam
intensamente durante um ano. Até então, apenas organismos oficiais haviam escrito
“papers” sobre Educação Ambiental a nível internacional. A própria Conferência
do Rio reservara ao assunto um minúsculo espaço em suas declarações. Na
verdade, nelas garantia-se às populações tão somente o acesso às informações
sobre produtos e atividades danosos ao meio ambiente das comunidades. E o que
os educadores envolvidos com o tema queriam era muito mais do que isso.
Durante a Jornada, os
educadores e educadoras analisaram o conflito Norte/Sul e seu impacto na
educação, procurando ampliar conquistas das nações pobres rumo ao
desenvolvimento social e ecologicamente justo. Falaram na relação entre a
educação e as mudanças de hábitos e atitudes para superar os problemas
ambientais. Debateram como o conhecimento tradicional pode contribuir para a
produção de novas idéias que permitam superar os problemas ambientais.
Destas discussões, uma das
primeiras constatações foi a de que a pobreza, colocada por muitos como a causa
da deterioração ambiental, de fato é conseqüência. ’’A causa está na superprodução
e no super-consumo de bens por alguns, enquanto que a maioria das populações
vive em parcas condições de vida e sem condições de pensar em qualidade de
vida”, comenta Moema Viezzer, especialista em educação ambiental, membro da
secretaria executiva da Rede Brasileira de Educação Ambiental, fundadora da
Rede Mulher e uma das líderes deste trabalho.
Outra constatação
importante foi a de que a educação ambiental deve ser tratada como um tema
transdisciplinar.
Como são os seres humanos
que interferem no ambiente, e têm possibilidade de atuar para modificar o atual
modelo de desenvolvimento que tem colocado em perigo a vida na Terra, uma
conclusão tornou-se inevitável: a educação ambiental é responsabilidade de
todos, individual e coletivamente.
DIVULGUE O
TRATADO
O Tratado não pretende ser
normativo. Assim como a educação, ele é um processo dinâmico que deve conduzir
à reflexão, ao debate e à sua própria modificação. Daí a importância de ser
divulgado. Sendo assim, o Educador Ambiental coloca-se à sua disposição para
receber as críticas e observações que você queira fazer sobre os princípios que
ele veicula.
TRATADO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS
E RESPONSABILIDADE GLOBAL
Apresentamos a seguir as
linhas gerais do Tratado de Educação Ambiental, e publicamos, na íntegra, os
princípios fundamentais que devem direcionar os trabalhos nesta área.
O Tratado é dirigido a
movimentos sociais - ecologistas, ONGs, profissionais de educação, cientistas e
instituições científicas, grupos religiosos, governos locais e nacionais,
empresários e profissionais de educação, interessados em implantar programas
voltados para a questão ambiental. Seus recursos podem provir de governos,
políticas de Educação Ambiental, políticas econômicas que estimulem as empresas
a fazer treinamento de pessoal, incentivem agências financeiras a alocarem
recursos para a educação ambiental, assim como da formação de um sistema
bancário, cooperativo e descentralizado, das ONGs e movimentos sociais. Seu
principal plano de ação consiste em transformar as declarações nele contidas em
documentos a serem utilizados pela rede formal de ensino em programas
educativos dos movimentos sociais e suas organizações. E, para que suas
propostas tenham continuidade e possam ser constantemente avaliadas, ele
estabelece a criação e desenvolvimento de redes de educadores ambientais.
PRINCÍPIOS
DA EDUCAÇÃO PARA SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS E RESPONSABILIDADE GLOBAL
1. A educação é um direito
de todos: somos todos aprendizes e educadores.
2. A educação ambiental
deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar,
em seus modos formal, não formal e informal, promovendo a transformação e a
construção da sociedade.
3 A educação ambiental é
individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local
e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das
nações.
4. A educação ambiental não
é neutra, mas ideológica. É um ato político, baseado em valores para a
transformação social.
5. A educação ambiental
deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser
humano, a natureza e o universo, de forma interdisciplinar.
6. A educação ambiental
deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos,
valendo-se de estratégias democráticas e da interação entre as culturas.
7. A educação ambiental
deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-relações, em uma
perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais
relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde,
paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e da fauna, devem
ser abordados dessa maneira.
8. A educação ambiental
deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em
todos os níveis e etapas.
9. A educação ambiental
deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena
e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural, lingüistica e
ecológica. Isto implica em uma revisão da história dos povos nativos para
modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular a educação bilíngüe.
10. A educação ambiental
deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promover
oportunidades para as mudanças democráticas de base, que estimulem os setores
populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a
condução de seus próprios destinos.
11. A educação ambiental
valoriza as diferentes formas do conhecimento. Este é diversificado, acumulado
e produzido socialmente.
12. A educação ambiental
deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira
justa e humana.
13. A educação ambiental
deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições, com a
finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender às necessidades
básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião,
classe ou mentais.
14. A educação ambiental
requer a democratização dos meios de comunicação de massa e seu comprometimento
com os interesses de todos os setores da sociedade. A comunicação é um direito
inalienável, e os meios de comunicação de massa devem ser transformados em um
canal privilegiado de educação, não somente disseminando informações em bases
igualitárias, mas também promovendo intercâmbio de experiências, métodos e
valores.
15. A educação ambiental
deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve
converter cada oportunidade em experiência educativa de sociedades
sustentáveis.
16. A educação ambiental
deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida
com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor
limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.
PLANO DE
AÇÃO
As organizações que assinam
este Tratado se propõem a implementar as seguintes diretrizes:
1. Transformar as
declarações deste Tratado, e dos demais produzidos pela Conferência da
Sociedade Civil durante o processo da Rio 92, em documentos a serem utilizados
na rede formal de ensino e em programas educativos dos movimentos sociais e
suas organizações.
2. Trabalhar a dimensão da educação ambiental para sociedades sustentáveis em
conjunto com os grupos que elaboraram os demais tratados aprovados durante a
Rio 92.
3. Realizar estudos comparativos entre os tratados da sociedade civil e os
produzidos pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento - UNCED: utilizar as conclusões em ações educativas.
4. Trabalhar os princípios deste Tratado a partir das realidades locais,
estabelecendo as devidas conexões com a realidade planetária, objetivando a
conscientização para a transformação.
5. Incentivar a produção de conhecimentos, políticas, metodologias e práticas
de Educação Ambiental em todos os espaços de educação formal, informal e não
formal, para todas as faixas etárias.
6. Promover e apoiar a capacitação de recursos humanos para preservar,
conservar e gerenciar o ambiente, como parte do exercício da cidadania local e
planetária.
7. Estimular posturas individuais e coletivas, bem como políticas
institucionais que revisem permanentemente a coerência entre o que se diz e o
que se faz, os valores de nossas culturas, tradições e história.
8. Fazer circular informações sobre o saber e a memória populares, e sobre
iniciativas e tecnologias apropriadas ao uso dos recursos naturais.
9. Promover a co-responsabilidade dos gêneros feminino e masculino sobre a
produção, reprodução e manutenção da vida.
10. Estimular e apoiar a criação e o fortalecimento de associações de
produtores e de consumidores e redes de comercialização que sejam
ecologicamente responsáveis.
11. Sensibilizar as populações para que constituam Conselhos Populares de Ação
Ecológica e Gestão do Ambiente, visando investigar, informar, debater e decidir
sobre problemas e políticas ambientais.
12. Criar condições educativas, jurídicas, organizacionais e políticas, para
exigir dos governos que destinem parte significativa de seu orçamento à
educação e meio-ambiente.
13. Promover relações de parceria e cooperação entre as ONGs e movimentos
sociais e as agências da ONU (UNESCO, PNUMA, FAO, entre outras), a nível
nacional, regional e internacional, a fim de estabelecer em conjunto as
prioridades de ação para educação, meio ambiente e desenvolvimento.
14. Promover a criação e o fortalecimento de redes nacionais, regionais e
mundiais para a realização de ações conjuntas entre organizações do Norte, Sul,
Leste e Oeste, com perspectiva planetária (exemplos: dívida externa, direitos
humanos, paz, aquecimento global, população, produtos contaminados).
15. Garantir que os meios de comunicação se transformem em instrumentos
educacionais para a preservação e conservação de recursos naturais,
apresentando a pluralidade de versões com fidedignidade e contextualizando as
informações. Estimular transmissões de programas gerados por comunidades
locais.
16. Promover a compreensão das causas dos hábitos consumistas, e agir para a
transformação dos sistemas que os sustentam, assim como para a transformação de
nossas próprias práticas.
17. Buscar alternativas de produção autogestionária, apropriadas econômica e
ecologicamente, que contribuam para uma melhoria da qualidade de vida.
18. Atuar para erradicar o racismo, o sexismo e outros preconceitos; e
contribuir para o processo de reconhecimento da diversidade cultural, dos
direitos territoriais e da autodeterminação dos povos.
19. Mobilizar instituições formais e não formais de educação superior para o
apoio ao ensino, pesquisa e extensão em educação ambiental e a criação, em cada
universidade, de centros interdisciplinares para o meio ambiente.
20. Fortalecer as organizações e movimentos sociais como espaços privilegiados
para o exercício da cidadania e melhoria da qualidade de vida e do ambiente.
21. Assegurar que os grupos de ecologistas popularizem suas atividades e que as
comunidades incorporem em seu cotidiano a questão ecológica.
22. Estabelecer critérios para a aprovação de projetos de educação para
sociedades sustentáveis, discutindo prioridades sociais junto às agências
financiadoras.
(Extraído de Educador Ambiental, 6 anos de experiências e debates)